"Que a estrada se abra a sua frente,

Que o sol brilhe morno sobre sua cabeça;

Que a chuva caia de mansinho sobre seu corpo;

Que o vento sopre leve em sua face;

E até que nos encontremos novamente;

Que os Deuses te guardem na palma de suas mãos..."

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domingo, 8 de maio de 2011

 Aqui a minha homenagem ao Dia das Mães
Alzheimer

MINHA MÃE É UMA CRIANÇA
Lucia Mourão, 19/04/2011

         Minha mãe é uma criança. Aos 78 anos não muda a roupa em frente da televisão, que é sua companheira, receosa de que alguém, lá de dentro do aparelho, possa vê-la em trajes menores. Minha mãe deu aulas por 34 anos. Sempre gostei de defini-la com a palavra trabalho. Dava aulas das 7 horas da manhã às 10 da noite. Trabalho em 1º lugar. Em 2º e em 3º também. É uma pessoa que nunca se entregou. Chegou a fazer concurso para o magistério aos 70 anos. Foi chamada para a posse quase aos 71. Não pode assumir. Claro, por causa da aposentadoria compulsória, mas apresentou-se, cheia de disposição, querendo trabalhar. Persistente. Em nenhum momento, por maiores que fossem as dificuldades, vi minha mãe entregando os pontos. Desistir nunca foi o seu lema. Teve muitas alegrias em sua vida profissional. Foi até homenageada pela classe.  Agora o Alzheimer chegou: virou criança. Bonner, Fátima e Chapelin são seus amigos.  Atletas e apresentadores falam com ela todos os dias. Ela faz um coraçãozinho com as mãos, e sorri. É feliz. Tentamos não deixá-la estressada, e escondemos notícias tristes, procurando evitar a melancolia. É interessante. O Alzheimer deixou minha mãe mais feliz. A palavra agora é felicidade. Obrigada William Bonner.


Conforme o texto acima, escrito pela minha maninha Lucia, minha mãe é uma criança. O Alzheimer veio e mudou tudo. Uma mulher independente, que sempre trabalhou muito, assinante da revista Seleções e do Jornal O Globo, de repente, é uma criança. Uma criança que tenho que cuidar nos mínimos detalhes, pois tenho que dizer a hora de tomar café, almoçar, lanchar, ir ao banheiro, tomar banho, dormir. Na maior parte do tempo ela está bem, no mundinho dela. Às vezes, fica teimosa e não faz o que você pede. No início foi tudo muito confuso, inesperado, agora procuramos lidar com a doença de uma maneira mais leve, com muita paciência, tudo vira brincadeira. Assim, ninguém fica estressado, entramos na fantasia dela, conversamos com a televisão, viajamos juntas nos seus devaneios e assim rimos bastante. Em alguns momentos, fico triste ao ver que ela, uma excelente professora de Português e Matemática, que nunca usou máquina de calcular para fazer qualquer tipo de cálculo, agora não consegue somar 2 + 2, não quer saber de escrever nada. O que me consola é que ela não se dá conta da própria situação.

Sou mãe, minha filha Michelle tem 18 anos e agora, quem diria, sou também mãe da minha mãe. Bom poder estar com ela neste momento, poder retribuir um pouquinho de tudo que ela sempre fez por mim. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

   


Sempre fui apaixonada pela nossa casinha de Cabo Frio, uma casinha simples, com muitos consertos e obras a serem feitas, mas quando chego lá, a casa, o lugar, a paisagem, tudo me energiza, tudo me dá paz, é impressionante o poder que existe naquele lugar, não sei explicar direito o que acontece comigo...
O texto abaixo foi escrito pela minha maninha Lucia e toda vez que leio fico emocionada. 

Visões Diferentes
Lucia Mourão

Maricá, 23.11.2001

Uma casinha simples mas com uma fantástica paisagem nos fundos para a Praia do Peró-Dunas, em Cabo Frio. Eu curtia as tardes de fim-de-semana na rede, cuidava da louça, coisinhas de arrumar casa e lavar banheiro. A maninha Lia com seu namorado e depois marido foi construindo sofás, fazendo almofadas, pintando e sonhando, planejando obras de ampliação, varandão nos fundos para os baralhos da tarde e regozijo da paisagem. Durante algum tempo usei a casa apenas para dormir nos fins de semana, sem tempo até para varrer, e muito menos para sonhar. Para mim o sono restaurador, para ela o sonho idealizador.

Mais tarde, por obra do destino, que modifica os nossos caminhos e leva a nossa vida, assim, de roldão, passamos 14 anos sem por lá aparecer.

Agora, pretendendo consertar a casa, minha mãe resolveu lá voltar para engrenar um orçamento, com a maninha para ajudar. Os sonhos que habitavam no subconsciente, mantidos no fundinho, apesar da separação do marido, ainda persistiam numa expectativa de realização das obras para as tardes ensolaradas no varandão. Mas o quadro que se apresentou foi imprevisivelmente desolador. A casa infestada por cupins e invadida por marimbondos era a imagem da decadência, com o telhado caindo em várias partes, o encanamento roubado, a cisterna rachada e a casa roubada em tudo que tivesse algum préstimo, sem contar o muro construído pelo vizinho, cobrindo toda a vastidão do panorama. Maninha ficou desarmada, desolada. Os sonhos, tão silenciosamente acalentados, de repente, diante de tão cruel realidade, se esvoaçaram ao sabor do vento sudoeste. Uma desilusão muito grande ao constatar que o tempo é implacável e não volta mais. As tardes ensolaradas no varandão continuariam apenas nos sonhos. O quadro foi pintado em negro.

Minha mãe, que sempre busca e costuma encontrar uma luz no final do túnel escuro, observou com adorável percepção, que o hibisco plantado pelo mano Sérgio há mais de 15 anos, pegou, cresceu e estava verdinho, o que dava gosto de ver. Passou.

Meses depois, uma amiga da maninha sabendo da existência de uma casa, um teto que fosse, naquele paraíso que é Cabo Frio, fez de tudo para conhecer o lugar. E lá foram elas. E o quadro era o mesmo. Só que agora maninha estava acompanhada da formiguinha empreendedora, a Dalva. E eis que a tinta adquiriu outra tonalidade. Ela disse que bastava começar com uma faxina. Um amigo, também presente, pronto para pegar no batente, olhou uma das portas e elogiou a perfeição do ajuste. É... Tem solução. Vamos fazer um mutirão! Aí o quadro, que era o mesmo de meses atrás, de repente, ficou verdinho, verdinho de esperança.